Cor de Laranja
27 de fevereiro de 2020A noite já vai longa, e a neblina matinal que agora se levanta vê-se tingida por quem espreita no horizonte, tímido como ninguém. O leve rebentar das ondas define um silêncio característico, uma atmosfera singular que é cortada apenas pelo choro das gaivotas que atentos os teus olhos acompanham. Se não houvesse no mundo mais vida para viver, acreditaria sem questionar que bastaria este momento, com sombras laranjas pintadas no teu rosto e todo o universo a teus pés.
Fogem-te pensamentos na tua notável indiferença para com tudo aquilo que se mostra afastado da pequena bolha que criaste para ti. Nada te afecta, e nada te move. Há algo difícil de qualificar no modo como esta paisagem te absorve. Uma beleza intangível que a tua complementa e da forma mais natural possível te transforma em parte do cenário. A fotografia que não existe sem ti.
É vertiginosa a distância a que estás de tudo aquilo que não és tu, ou talvez só de mim numa miópica perspectiva de um coração que tanto me aperta quando se vê lembrado da tua figura. O calor que as mãos não sentem e as palavras que não podem sair. O receio de que um passo em falso possa vir a narrar uma outra história, uma em que não estás mais aqui e em que me obrigas finalmente a acordar para uma qualquer outra cor de que pouco me interessa.
É esta a fronteira que nos separa. Um pitoresco momento que se vê fingido em alternativa ao romance que não inventámos para nós. Talvez isto baste. Há felicidade aqui, se procurares, e aguento-o o tempo que for preciso até dares com ela, longe de mim, ou longe de nós.