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25 de abril de 2022Já há muito que ando com a ideia de uma história na cabeça. Acho que em parte ela é inspirada naqueles contos que nos dão para ler quando somos crianças, o imaginário bucólico em volta deles. É a simplicidade da coisa. A inocência dela. Sempre quis acreditar que se há algo que vale a pena tentar capturar ou reaver, deve ser isso, aqueles olhos com que olhávamos para o mundo e que o pintavam de uma forma tão mágica.
A imagem que me surge logo é de uma janela. Redonda, a olhar para um parque com uma moldura de madeira num sótão poeirento sem grande luz, um pouco elevada mas com um arranjo de caixas e cadeiras por baixo amontoadas como se de propósito. O sol irrompe a partir dela ao nascer do dia e dispersa-se na copa das árvores ao início da tarde, e nas sombras esconde-se tímido tudo aquilo que ficou para trás.
Ninguém vive naquele espaço, mas há quem viva a partir dele. Pequeno como é, é o mundo para quem se pendura de braços cruzados durante horas a fio a ver as folhas a dançar de um lado para o outro num calado dia de Outono. A seguir o casal a brincar de mãos dadas com a menina de caracóis acastanhados ou o senhor de bengala a arrastar-se para dar de comer aos seus pombos, imaginar a sua vida e as suas histórias, inventar-lhes nomes e sonhos e aspirações.
Não tem nada de mais. Acho que é aí que lhe vejo a beleza. Não há drama, nem vilões, nem nada para salvar, só a vida como é vivida quando o tempo passa. Um dia os pombos veem-se sozinhos e a menina torna-se a protagonista do seu poema, e noutro já nada se reconhece do que havia sido naquela tarde. As memórias de um átomo, como se fossem, só menos emocionantes talvez.
Há uma outra ideia que vê esta história diferente. É algo que o leva a sair e a ir até lá, até à ponte de pedra que se ergue por cima do pequeno riacho que atravessa o parque de um lado ao outro. A bicicleta que ele encontra lá encostada, a pessoa que conhece e onde isso o leva a partir daí. Quase como pequenas recordações soltas de um Verão que se viveu há tantos anos atrás, e como a pessoa certa te pode marcar tanto e mudar-te por completo, a ti e ao teu rumo e aos teus sonhos que ainda estão para vir. Não há nada que se compare, e talvez nunca vá haver.
É melancolia. Não é a intenção, mas é o que fica. Quando vai e vem e o que sobra és tu, de quem nunca te vais livrar e com quem nunca vais estar feliz, fica aquele suspiro tão profundo que quase leva o mundo inteiro com ele. A pergunta, quando é que tudo deixou de ser o que era, ou, enfim, onde nos encontramos agora, achas que ainda vamos a tempo?