Sul

27 de setembro de 2020

Afogam-se, uma badalada de cada vez, nos cantos imundos deste sítio. Deformam-se violentamente na súbita constatação da sua natureza, como ar a ser sugado de uma garrafa enquanto dança e se contorce, e dissipam-se merencórios na tua direcção. Vidrados em ti, os olhos dos cadáveres intumescidos à tua volta, lânguidos e despidos de feições, inteiramente irreconhecíveis, e ainda assim o sentes, as suas intenções, o ódio que te têm e que vais saneando a cada trago em busca de um dilúvio de proporções épicas, um nunca-mais, para sempre, nesta escuridão.

Uma voz irrompe do vazio quando te apercebes do auricular que pressionas contra a orelha esquerda. Uma mescla de ruído ao início, tão distante, que toma forma quando rebate, um suave, sim, e as agulhas que se alojam na tua espinha sem te prestar satisfação. Perceptivelmente eterna, a pausa, a respiração pesada a aparentar ser a única função ainda permitida pelo teu corpo. As luzes não acendem para iluminar os pontos que não ligam. Não há nada, aqui, em ti. Não tens memória disto.

«****, és tu? Onde estás? Estás bem?»

Sentes uma pressão no abdómen. Uma imagem do oceano perdura na tua mente, a sua vastidão a engolir-te à medida que a absorves. Foi a última vez que te vi. Sons em formas de ondas tingem o horizonte, e tudo se desfoca pouco tempo depois.