Uma Memória Qualquer
13 de fevereiro de 2020Corre o Ceira a meus pés enquanto me escondo de ti. A intensidade das sombras atraiçoa o cair da noite, e os chuviscos que ele arrasta distorcem o teu nome no ecrã preto que não pára de tremer. Sinto que já aqui estivemos. Grades à volta, num sítio fácil de encontrar enquanto me afastava de todo o barulho e agitação, com a força que deste aos teus sapatos para que eu te ouvisse chegar.
Não faço ideia porque é que vim quando nem gosto destas coisas. E tu, com a tua chegada tardia, trouxeste contigo todo o imaginário de que me queria afastar durante uns dias. A culpa não é tua. Sou eu. Sou sempre eu. Que raio. Não havia nada mais interessante do que me juntar à fila de rapazes apaixonados por ti?
Vou-me levantar. A roupa já acusa o peso da chuva, e isto não me leva a lado nenhum. Da ponte para cima, a seguir o caminho até ao edifício já meio delapidado onde vamos dormir, e onde te encontro sentada, à minha espera. Ainda me lembro da tua figura. Do teu olhar. Juro que por momentos pensei que não me ias deixar ver a luz do outro dia.
Eu não te percebo. Não imaginas o quanto me preciso de conter para não mandar Platão pelos ares e quebrar todas as regras que existem à face da Terra, mas no momento em que rompo o silêncio sem saber bem o que dizer, eu lembro-me de ti. Lembro-me da pessoa que eu não sou, e escorre-me a coragem com a água que vai caindo do céu.
Talvez à noite. O frenesim à nossa volta em busca de isto e daquilo, e nós num mundo completamente nosso, a falar e a falar. Para aqui, ou para ali, com a ocasional interrupção, mas falámos tanto. Guardo este como um dos momentos em que gostava que a minha memória fosse um pouco mais gentil comigo. Imagino o quão caricato deverá ter sido para quem nos viu de fora. Que devem ter achado eles?